segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A legião da Legião Urbana - Por Marcelo Lopes


Acho que virou um tipo de ritual. Da mesma forma como também não se explica de forma muito racional a devoção em torno da figura do cantor Raul Seixas (fenômeno que não faço qualquer juízo de valor, porque eu também acho o cara muito bom), a Legião Urbana é um fenômeno retroalimentado geração a geração, tornado a trilha sonora de uma geração inteira. Seu som resiste bravamente muitos anos depois a morte seu líder e vocalista, o cantor Renato Russo. Hoje, entre outros tantos legados, a Legião Urbana é repertório quase que obrigatório em todo final de festa que abriga algum vilão (e música que preste, diga-se de passagem).

Assim como Agenor de Miranda Araújo Neto (o Cazuza), Renato Manfredini Junior, o Renato Russo foi uma dessas figuras que não cabiam em si: polêmico, poeta e artista, por isso mesmo, incoerente e puto da vida, como ele mesmo afirmava. Segundo D. Lúcia Rocha, mãe de um dos mais inquietos artistas brasileiros, o cineasta Glauber Rocha – que também morreu cedo demais – pessoas assim são com uma vela que queima dos dois lados, consomem-se na vida como se o tempo fosse sempre muito pouco e o corpo um receptáculo combustível, pirotécnico, alegórico e manifesto.

A Legião foi uma banda de rock, surgida em Brasília entre 1982 e 1996. Ao todo, lançaram dezesseis álbuns, somando mais de 20 milhões de discos vendidos, somente na época em que atuaram. Ainda hoje, é o terceiro grupo musical da gravadora EMI que mais vende discos de catálogo em todo o mundo, com uma média de 250 mil cópias por ano. O fim do grupo foi marcado pelo falecimento de Renato Russo, em 11 de outubro de 1996. A banda é uma das recordistas de vendas de discos no Brasil com dois Discos de Diamante pelos álbuns Que País É Este, de 1987 e Acústico MTV, de 1999. A banda faz parte do chamado quarteto sagrado do rock brasileiro, juntamente com o Barão Vermelho, Titãs e Paralamas do Sucesso. Esta úlitma banda, sob a voz de Herbert Vianna, foi uma das principais responsáveis pelo reconhecimento do trabalho da Legião Urbana.

A Legião Urbana foi, muito especialmente, a minha trilha sonora adolescente. Friso o termo “adolescente” em contraponto e alerta total ao que se ouve hoje em dia, sem querer entrar diretamente na questão ou mesmo querer adotar tom conservador, até porque, mesmo agora, o rock ainda está longe de ser um som conservador. Músicas como “Geração Coca-Cola”, “Será”, “Pais e Filhos”, “Eduardo e Mônica” e “Faroeste Caboclo” (que deve estrear nos cinemas em 2013), além das letras fortes, faziam sucesso quase sem refrão. Sintonizadas com seu tempo, eram repletas de imagens e histórias que se tornaram empáticas a um sem-número de jovens, que se viam nas músicas da banda. Sua obra legou a muitos fãs o interesse pela literatura, pela política e pela arte de uma forma ampla, ajudando a formar muitos bons educadores, médicos, engenheiros, artistas e profissionais que atuam dentro e fora área da cultura, e que têm em comum, sobretudo, um olhar humanístico sobre tudo o que fazem. Para a cultura popular, a herança de Renato, Dado Vila Lobos e Marcelo Bonfá ainda rende dividendos culturais ajudando a apurar os ouvidos de muitos novos fãs, influenciando bandas, que como eles, correram à margem da grande mídia, buscando originalidade e verdade no que propunham.

Deste meu legado para a arte, estimulado também pela Legião, registro – com louvor e algumas adaptações pertinentes – um trecho de Carlos Drummond de Andrade: Eu não devia te dizer/ mas essa [tarde de domingo] / mas essa [cerveja]/ botam a gente comovido como o diabo.

Por Marcelo Lopes
* Para meus queridos e sempre amigos Helisson e Claudinha.

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