Gil Brito | Galhofas a Mil
Alguns anos se passaram. Mas me lembro bem daquela noite de 2005 ou 2006, quando, pouco antes das sete horas da noite, fui ao velho casarão da Praça Barão do Rio Branco onde então era gravado o programa Som da Tribo, transmitido pela Rádio Clube de Vitória da Conquista. O motivo de minha visita – e que me provocava seguidos calafrios – era conceder uma entrevista ao vivo ao apresentador Miguel Côrtes. Estava ali com a incumbência de falar sobre o Café com Bolacha, evento que organizaríamos, dias depois, na antiga Galeria e Café Don’Antônia, em que, além de uma exposição de capas de discos de vinil, haveria uma vitrola disponível aos visitantes, que podiam ouvir ali o LP que quisessem.
Nós, os organizadores – meia dúzia de estudantes descapitalizados, mas muito impetuosos – precisávamos divulgar o evento, e nos demos conta de que havia sintonia entre o público que queríamos atingir e o que garantia a audiência do programa. De modo que Miguel não teve dúvidas ao nos garantir, no Som da Tribo, o espaço de que precisávamos. A entrevista seguiu tranquila, em clima descontraído – o que entrava em contradição com meu estado de nervos. É difícil, para um tímido contumaz, falar ao vivo num programa de rádio. Mas, ao final do programa, acreditei ter cumprido minha missão com certo desembaraço. E, para isso, contribuiu certamente a simpatia de Miguel.
O Café com Bolacha foi um sucesso indiscutível. Foram três dias em que o Café Don’Antônia esteve lotado. Pode-se dizer que quem era interessante e relevante em Vitória da Conquista – digamos, a intelligentsia e a boemia locais, gente de teatro, cinema, literatura, meios acadêmicos, enfim – esteve presente. Quem queríamos que fosse, foi. E até quem não esperávamos que comparecesse, surpreendeu-nos com a presença. Muito desse êxito, devemos à divulgação feita por meio do Som da Tribo.
Não fomos os únicos a dispor da influência de Miguel e seu programa. O Café com Bolacha foi somente mais uma iniciativa que ele abraçou e contribuiu para viabilizar. Miguel acreditava no potencial da arte – especialmente, da música – como forma de mobilização. Entregou-se a isso de tal forma que acabou por tornar-se uma espécie de porta-voz da cena musical da cidade. Ao longo do tempo em que apresentou o Som da Tribo, manteve um público cativo que, após sua morte, sentiu-se órfão. Esse mesmo público continua carente de um representante. A cidade é pródiga em pessoas que sentem por ele alguma forma de gratidão.
Embora tenha sido entrevistado por Miguel, e sempre nos cumprimentássemos de forma protocolar, não cheguei a dispor da amizade de sua amizade. Mas, assim como seus inúmeros ouvintes, ainda não me habituei a não vê-lo mais caminhar, sempre taciturno, pelas ruas, nas noites frias de Vitória da Conquista. O rádio já não toca nossas músicas favoritas às sete da noite. As noites de sábado perderam um pouco de seu charme sonoro. A voz de Miguel já não irrompe, irada, contra o que ele considerava incorreto. E a tribo já não tem quem garanta seu som.
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